Não era muito alto e era magro
Os óculos grossos descansavam-lhe no nariz
A face e o rictus pesavam de raíz
Teimava com todos e com tudo
A perfeição é tão difícil de atingir
E querer chegar lá, sem jamais mentir
Não é impossível, é fado complicado
Cursava em Coimbra e trabalhava
Já tinha alunos a quem dava lições
Dizia-se que também dava sermões
ISTO está tudo mal, pá!
ISTO não é país!
ISTO está no final!
E atacava tudo nas suas canções
Não havia um senão
Neste país tudo eram frustrações
A LIBERDADE, pá
Onde é que ela está?
O pão? Poucos têm o seu quinhão
Estudar? Só para senhores
E filhos de doutores
ISTO está tudo mal, pá!
A canção que eu faço ataca
Mas não chega
ISTO não é PAÍS!
Sem LIBERDADE somos todos vis
Uma luz agora
Tu acreditas? EU NÃO!
ISTO só lá vai com um grande safanão
ISTO só lá vai se tudo fôr abaixo
Ditadores, bufos, pides
ISTO só com o POVO, REVOLUÇÃO
Isabel Sá Lopes
O vento atira-se às janelas
As árvores estremecem, tremem
Abanam sem parar
Lançar sombras fantasmagóricas
Alteram a aparência do lugar
O vento sopra, uiva, extenuado
Lança-se contra a pele, infeliz, arrepiado
As folhas balançam, desiquilibram-se
Tentam agarrar-se, viver
São arrancadas cerce, vão morrer
Tapetes castanhos, amarelo-avermelhados
Enchem as ruas, os jardins, as matas
Os pés levantam, arrastam
Esse manto belo, morto
E de súbito uma rajada
Estilhaça, espalha pelo ar
A dançar, a dançar
Folhas desenhadas com arte
Folhas enroladas por dedos mágicos
Côr e mais côr a rodopiar
A pena de não ter uma máquina
Para as agarrar e fixar
Pelas frinchas infiltra-se forte o frio
Nas nuvens negras a água pesa já
Em pouco tempo vai desabar
A Terra sedenta vai consolar
MAS A MIM NÃO
Faz-me falta o calor, a LUZ
A Festa do VERÃO.
Isabel Sá Lopes
Amizade
Estou aqui. Estou com vontade de não estar.
Lá fora vento, vento frio desabrido
Cabelos em farripas no ar
Gente abafada, agasalhos rentes ao pescoço
O alvoroço, de correr para casa
O desejo de não se constipar
Fugir à gripe e à rinite
Eu sinto o mesmo e fico
Por mim já me tinha ido embora
Por mim que não gosto de esperar
De estar só, do mau tempo
Eu que detesto o vento
Faz-me mal
É sempre um mau sinal
Do vento frio nada de bom espero
Desespero quase sempre
Será desta vez diferente
Estou aqui e este facto em si
Explica a Amizade
Isto não é bondade
Nem paciência, nem dormência
Isto é gostar de ver,
de comunicar, de saber
Se dou, recebo mais
O que dou e recebo nunca é demais
A vida sem isto pouco vale
O amigo não nos pede nada
Não nos dá notícias más
Não viramos as costas e zás
O amigo sossega o coração
E sempre estende a mão
Por isso eu estou aqui
Apetecendo-me ir embora
Não vás. Tu és capaz
Não vou. Aqui estou.
Isabel Sá Lopes
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